quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O amor é uma vela laranja

Escrito em 2009.

Era sexta-feira à noite. Ele vestiu a sua melhor camisa, aquela azul listrada que ela adorava, e chegou mais cedo do trabalho. Entrou em casa na ponta do pé, mas ela ainda não havia chegado. Melhor. Arrumou a casa, varreu o chão e organizou a mesa da sala, aquela que só era usada para ocasiões especiais. Tirou as revistas de cima do vidro e colocou uma toalha rendada daquelas que ela comprava quando ia para o interior ver a família. Dentro de um embrulho que trouxe, várias velas aromatizadas. Ela adora as velas aromatizadas, sempre que ia ao shopping procurava as mais coloridas e com os melhores aromas.

Colocou um avental para não sujar a camisa e foi para a frente do fogão de quatro bocas que tinha ganho do Márcio na ocasião do casamento. Grande Márcio, o único defeito dele era torcer para o Botafogo. Dentro de uma das panelas de inox, um pedaço suculento de filé, imerso em um molho maravilhoso. Na outra panela, crepitante, um molho de mostarda igual ao do livro de receitas borbulhava, ansioso para encontrar a carne. Na terceira boca do fogão, macarrão. Eu nem gostava tanto assim de macarrão, mas ela era apaixonada por massa, por ela a gente comia massa todo dia. Vai ver é coisa da ascendência italiana. Um pouquinho de azeite, pimenta e um punhado de queijo ralado dentro de um pote de prata. Arrumou a comida na mesa e acendeu três velas laranjas. Eram tão laranjas que dava vontade de comê-las.

O perfume no ambiente era afrodisíaco. Ela vai ficar tão impressionada que vai me atacar, com certeza. Faz quase três dias que não nos vemos direito, ela sempre preocupada com as coisas da agência, andava trabalhando em turno dobrado. Dava até pena. O sexo já não era a mesma coisa de quando a gente namorava. Antes era uma loucura, todos os dias, em qualquer lugar, ambiente público ou não. Eu até ficava meio incomodado com aquilo, mas ela sabia me excitar como ninguém. Adorava quando, depois do sexo, ela encostava a cabeça no meu peito e ficava lembrando de como a gente tinha se conhecido e de como eu sabia deixar ela louca.

Me lembro como se fosse hoje. Tinha ido ao cinema assistir um filme asiático. Não sei exatamente qual era o dia, mas era dia de semana. Não tinha ninguém na sessão, só eu. Depois eu vi que ela vinha com um livro na mão e usava óculos de borda grossa. Adoro mulher que usa óculos de borda grossa. Estava com uma saia vermelha e aqueles sapatos franceses. Já se vestia como uma publicitária. Sentou perto de mim e deu um sorriso tímido, daqueles de canto de lábio. Não resisti e acabamos casando.

Lembrava do passado sentado no sofá, tomando o vinho chileno que tinha ganho do sogro, quando ouviu o barulho de chave na porta da frente. Correu para a cozinha, esperando ela entrar. Luiza vestia preto, dos pés a cabeça, e tinha uma aparência de acabada. O tempo e o trabalho vão mutilando as pessoas, mas ela continuava linda. Minha Luiza parecia personagem dos filmes noir da década de 40, tinha até sombra nos olhos.

Ela entrou e viu a mesa repleta de adornos e com os pratos que ele havia preparado. Sentou na cadeira e ficou parada, olhando para a vela laranja. Apagou o fogo com um sopro e depois tornou a acendê-lo, usando a chama de outra vela. Ela nem tinha me visto ainda, parecia cansada com alguma coisa. Resolvi chegar por trás e coloquei as duas mãos sobre os ombros dela. Era um bom massagista, sabia brincar com os dedos tão bem que ela soltou a bolsa e a pasta que carregava e se encolheu toda. Depois, tirou minhas mãos dos ombros e pediu para eu sentar na cadeira ao lado. Só depois que sentei eu vi que a maquiagem preta que usava no rosto estava toda borrada. A mancha negra que escorria por baixo dos olhos chegava até a altura da boca vermelha e seu corpo estava desfalecido na cadeira, parecia que estava morta. Fiquei comovido com aquilo e a abracei.

- Luiza, linda, a gente pode comer outro dia. Você não quer tomar banho e depois ficar deitada comigo?, perguntei.

Ela não respondeu nada, ficou só olhando para baixo, com a boca tremendo e uma lágrima escorrendo pelo olho esquerdo. Eu continuava abraçando-a, sem entender nada, quando ela resolveu falar a primeira coisa em mais de dez minutos.

- Eu não te amo mais, desculpa.
- Como?, perguntei, chocado. Parei de abraçá-la.
- Desculpa, Fábio. Eu simplesmente não consigo mais, não sinto mais aquilo por você.
- O que aconteceu? Alguma vez eu te tratei mal, te ofendi? Eu te amo Luiza.
- É que estou apaixonada.

Fábio levantou da cadeira e acendeu um cigarro. Suas mãos tremiam.

- Apaixonada por quem, porra?
- Prefiro não falar.
- Já que é para me foder, me fode direito. Por quem, porra?, tornou a perguntar, transtornado com a notícia.
- Pelo Márcio.
- Puta que pariu, Luiza. Pelo Márcio? Pelo meu melhor amigo?
- Ninguém comanda isso, Fábio. Desculpa, mas eu não consigo mais.

Luiza levantou-se e deu uma última olhada na mesa, disse ter adorado as velas laranjas e foi embora. Fábio estava no segundo cigarro. Sentou na cadeira, serviu-se e comeu o espetacular filé ao molho mostarda. Não colocou macarrão. Depois de comer, ficou sentado vendo as chamas consumirem as velas.