Esse post será editado com discos lançados neste estranho, complexo e um tanto bonito 2012.
Tame Impala – Lonerism
O clichê parece irritante, mas
dizer que “Lonerism” marca algo como o “retorno dos Beatles” ou o “novo disco
do Syd Barret” não soa tão absurdo assim. Dois anos depois de lançar o já muito
elogiado “Innerspeaker”, o trio australiano amplia o tom da psicodelia e, nas
12 faixas do disco, faz lembrar alguns momentos de “Revolver” (1966) e de “The
Piper at the Gates of Dawn (67)”. Ouvir em sequência “Why Won’t They Talk to
Me?” e “A Day In Life” ajuda a esclarecer algumas coisas. O fato é que além de
ser naturalmente parecido com o timbre de John Lennon, o vocal de Kevin Parker,
cérebro da banda, é modificado pelo uso de kazoo, o que faz com que a voz fique
ainda mais parecida com a do beatle. A edição especial do disco, somente
veiculada na Austrália e com uma faixa a mais chamada “Led Zeppelin” (um provável
lado-b do Physical Graffiti), escancara que o grupo, assumidamente, faz homenagem
ao passado. Mais bem produzido, escrito e editado que “Innerspeaker”, “Lonerism”
tem uma gigantesca aura “dream pop”, facilitada pelos constantes coros e pelos
incansáveis sintetizadores, que ajudam a sustentar a psicodelia esperada, que
não só ecoa, como também não faz feio a nenhum dos clássicos discos do Flaming
Lips. Em “Feels Like We Only Go Backwards”, os corinhos – com camadas e mais
camadas de efeitos – acompanham um pesado baixo suingado e Lenn... Parker em
uma espécie de aconchegante falsete. Provavelmente a mais pop e dançante do disco,
“Keep on Lying” tem os melhores riffs de guitarra de “Lonerism”. Envoltos em
samples de risos, conversas e discussões, criam uma perfeita atmosfera de tarde
de verão, daquele calor que, aos poucos, vai-se acabando. A capa do disco - uma
foto de Parker do Jardim de Luxemburgo – e os clipes, são reproduções fiéis do
que se esperar de “Lonerism”. Imagens difusas, desconexas reproduções de
sentidos e cores densas, formas geométricas que, como toda boa psicodelia,
servem para ampliar percepções e conduzir o som. Aos que reclamam que não se produzem mais discos como antigamente, o novo trabalho do Tame Impala nasce, em
essência, com um gosto de saudade, uma vontade de abraçar o que já foi. Uma
bela e franca homenagem. Ouça: "Why They Won't Talk to Me?"; "Keep on Lying" e "Music to Walk Home By"
Grizzly Bear - Shields “Sleeping Ute”, a faixa que abre Shields, o quarto álbum de estúdio do Grizzly Bear, indica que a banda tem capacidade de sobra de ir além do muito elogiado Veckatimest (2009). O recurso a efeitos explosivos e a indissociáveis camadas de guitarras – que solam junto com os vocais de Ed Droste – mostram que o quarteto norte-americano pode fazer mais que o folk psicodélico que os consagrou. Se os timbres harmônicos contrastantes com experimentalismos instrumentais continuam marca do grupo em “The Hunt” e “Half Gate”, esse parece ter descoberto como se reinventar. “Speak in Rounds”, o refrão com baterias marciais entrega, tem uma sonoridade parecida ao canadense Arcade Fire, ainda que com vocais mais rasgados de Droste. “Yet Again”, com vozes a la Tom Yorke e uma complexa composição instrumental – baseada nas sequências de metais e em guitarras “etéreas” que crescem em uma jam quase noise no final -, tem uma pegada que não faria feio a nenhuma das faixas do “Ok Computer”. Shields tem uma gradação marcante de ritmo. Depois das quatro primeiras e explosivas faixas – em um tom excessivamente otimista – a banda encontra suas raízes em “The Hunt”, um belo, grave e um tanto dramático interlúdio. Em sequência, mais três maravilhosos presentes progressistas, com destaque para os tecladinhos dançantes de “A Simple Answer”. A arte de capa, que lembra uma carta de baralho, é assinada pelo pintor Richard Diebenkorn, associado à arte abstrata e ao expressionismo. Em um ano incomum, com tantos bons lançamentos, Shields destoa e se destaca. Os dois meses de isolamento dos músicos resultaram em um imenso cuidado, sensibilidade e força nos 47 minutos do novo trabalho.
Ouça: "Speak in Rounds"; "Yet Again"
Gospeed You! Black Emperor - Allelujah! Don't Bend! Ascend!
No amor e na música, os hiatos
mais angustiantes são aqueles em que os amantes se separam gostando um do
outro. A trôpega sensação de incompletude e o eterno reviver o passado criam situações
quase insustentáveis de nostalgia. Com o Godspeed You! Black Emperor, esse
sentimento demorou longos e torturantes 10 anos para maturar. Desde Yanqui
U.X.O. (2002), uma bela e complexa sinfonia experimental de post-rock e drone, o
coletivo canadense de nove músicos não havia lançado nenhum álbum de estúdio.
Enquanto isso, a constelação de músicos do grupo se dedicava aos numerosos
projetos paralelos e irmãos do GY!BE: 1-Speed Bike; Black Ox Orkestar; Fly Pan
Am; Set Fires to Flames; e A Silver Mt. Zion, só para citarmos alguns. A espera
de uma década foi encerrada finalmente com Allelujah! Don’t Bend! Ascend!
(2012), disco lançado pelo iluminado selo canadense Constellation Records,
especializado em post-rock, indie e experimental. A começar pelo próprio nome
da banda, o gosto por exclamações é marca presente no título do novo álbum. Os
três sinais gráficos não constam por mera distração. Eles expressam fielmente o
espanto causado pelas quatro faixas de Allelujah!, uma espécie de revisitação dos
principais trabalhos da carreira do grupo. Não é difícil classificar Allelujah!
como uma mistura do tom apocalíptico de F♯A♯∞ [1995-1997] com a beleza de Lift Yr. Skinny Fists Like
Antennas to Heaven! (2000) e o drone amainado do Yanqui U.X.O. (2002). O disco está estruturado em dois grandes
carros-chefe, faixas com mais de 20 minutos de duração e terreno dos principais
exercícios criativos de um dos maiores expoentes do post-rock, um interlúdio e
um epílogo, ambos com seis minutos. “Mladic” e “We Drift Like Worried Fire”, as
maiores, contêm os elementos básicos do post-rock – baterias marciais,
guitarras com texturas, progressões de sons com derradeiras explosões de
timbres e acordes – elevados ao nível característico do GY!BE. Sinfonias que
vão do silêncio sepulcral a momentos de claridade branda, passando por ecos de
fúria e microfonias paradoxalmente harmônicas. “Their Helicopter’s Sing” e “Strung
Like Lights at Thee Prinptems Erable” somam, em contrapartida, pouco mais de 12
minutos de drone e ambient – que vão desde sons de gaitas de fole até vendavais
tortuosos – uma fortuita estratégia, frente à grandiosidade e à exigência das
duas outras músicas. Ainda que não seja do nível de um Lift Yr. Skinny Fists
Like Antennas to Heaven!, um dos maiores e mais bonitos projetos experimentais
que se tem notícia, Allelujah! é uma experiência singular e poderosa.
Ouça: "Mladic"
Beach House - Bloom
Beach House - Bloom
Pode-se dizer que Bloom, quarto
álbum do duo norte-americano Beach House é o disco de dream-pop do ano. Depois
do bom Teen Dream (2010), Bloom segue caminho parecido, ainda que apostando
mais nos sintetizadores, nos vocais fugazes e intensamente bonitos de Victoria
Legrand e nas baterias eletrônicas do que seu antecessor. À diferença dos
demais da banda, o disco apresenta uma intensidade um tanto escondida que, como
o próprio nome traduz, vai se construindo, florescendo, ao longo do álbum. “Lazuli”,
“Troublemaker” e “Wishes”, tríade que melhor representa o disco, ainda que não
levem a uma inexorável empolgação do ouvinte, são retratos do quase obsessivo
cuidado formal realizado na composição de Bloom, produzido por Chris Coady (Yeah
Yeah Yeahs e Blonde Redhead). Bloom trata-se de trabalho cuja intensidade é descoberta
nos pequenos detalhes: se, à primeira vista parece um álbum eminentemente um
tanto otimista e solar, guarda suas surpresas nos tons escuros que marcaram os
outros discos do duo. Sustentando-se sobre 10 faixas coerentes, Bloom é de uma
delicadeza ímpar. Numa comparação, lembra uma transcendental ida à praia,
naqueles dias de sol que, calmamente, vão se apagando.
Ouça: "Troublemaker"; "Wishes"
∆ - An Awesome Wave
“An Awesome Wave”, do quarteto britânico ∆ (se pronuncia Alt-J, que é a tecla de atalho no teclado do Mac para a letra grega delta), é, provavelmente, uma das principais surpresas do ano. Formada por estudantes da universidade de Leeds e lembrando a Wild Beasts, a banda de indie rock tem uma sonoridade progressiva, com bases eletrônicas pesadas, algumas batidas típicas de hip hop, baixo de post-punk e mais um tanto. Ainda assim, o disco impressiona pela crueza e pelas músicas grudentas. “Breezeblocks” é, fácil, uma das melhores músicas do ano, junto com “Matilda”. Vale salientar que o álbum é uma das mais recentes provas que a Pitchfork – que deu 4.8 de nota para o disco – anda precisando de uma urgente reformulação.
“An Awesome Wave”, do quarteto britânico ∆ (se pronuncia Alt-J, que é a tecla de atalho no teclado do Mac para a letra grega delta), é, provavelmente, uma das principais surpresas do ano. Formada por estudantes da universidade de Leeds e lembrando a Wild Beasts, a banda de indie rock tem uma sonoridade progressiva, com bases eletrônicas pesadas, algumas batidas típicas de hip hop, baixo de post-punk e mais um tanto. Ainda assim, o disco impressiona pela crueza e pelas músicas grudentas. “Breezeblocks” é, fácil, uma das melhores músicas do ano, junto com “Matilda”. Vale salientar que o álbum é uma das mais recentes provas que a Pitchfork – que deu 4.8 de nota para o disco – anda precisando de uma urgente reformulação.
Ouça: "Matilda"
Neil Young & Crazy Horse - Psychedelic Pill
Só por “Driftin’ Back”, o petardo
de pouco mais de 27 minutos que abre o disco duplo, “Psychedelic Pill”, do composto
Neil Young & Crazy Horse, já mereceria ser citado em qualquer lista de
melhores do ano. A gigantesca faixa, uma densa viagem psicodélica e hipnótica com
pouquíssimas vozes e comandada por estridentes guitarras, apesar de não ter o
impacto de hits mais diretos, como os clássicos “Revolution Blues” (74), “Hey,
Hey, My My” (78) ou “Cinnamon Girl” (69), relembra passagens instrumentais de
algumas das melhores músicas da carreira de Young, como “Cowgirl in the Sand” (69)
ou “Down by the River” (69). Assim como indicam essas últimas, feitas também em
conjunção com o Crazy Horse, “Psychedelic Pill” é, naturalmente, um poderoso álbum
de guitarras. A bagagem da fase áurea do canadense (After the Gold Rush – Harvest
- On The Beach) decerto aparece, mas de forma mais perceptível nos vocais e nas
letras das nove faixas que compõem os cerca de 80 minutos de “Psychedelic Pill”.
“Ramada Inn” e “Walk Like a Giant”, ambas com 16 minutos, respectivamente no primeiro
e no segundo discos do álbum duplo, se são musicalmente mais criativas que “Driftin’
Back”, por não ficam presas às amarras em loop da ótima primeira faixa, corroboram
a intensa sonoridade roqueira do disco. Já “She’s Always Dancing” é talvez a melhor faixa do disco. Com um fraseado um tanto sobrenatural e nostálgico, o
que não parece nada estranho para um cantor de 67 anos, traz três refrões. As
guitarras, como era de se esperar de uma reunião do canadense com o Crazy
Horse, estão lá, soberanas.
Ouça: "She's Always Dancing"; "Walk Like a Giant"