quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Para ver a banda passar



A banda tocava, um tanto enfurecida, sob luzes faiscantes e quentes, os braços da plateia, que se jogava de um lado para o outro, em um balanço de mar, pés soltos na areia do tablado, olhos vidrados naquela adulação sonora. Em meio àquela multidão hipnotizada, havia um olhar distinto. Um olhar que, curioso, não olhava o palco, não mirava a mesma direção das milhares de retinas vizinhas. Focava-se, ao contrário, em um outro olhar. Os olhos um tanto esverdeados daquele rosto visavam outros, castanhos, sorridentes, pequenos, paralisados. A mulher ignorava solenemente o que se passava ao redor e se fixava, em meio à massa humana, àqueles olhos, barba, dentes, nariz. Enquanto o mundo se movia, pés saltitavam e dancinhas proliferavam, os olhos dela tinham apenas um destino. Um abrigo reconfortante, quente, cálido. O interessante é que era ela quem gostava da música. Estava mais do que claro que ela que o trouxe para o show. Não fosse ela, poder-se-ia apostar o quanto fosse, ele ali não estaria. Certeza. Os sorrisos dele não eram o clarão de felicidade de quem vivencia uma experiência auditiva. Era outro sentimento. Ne sais quoi. À medida que as músicas iam sendo trabalhadas e construídas em meio a uma aura densa, etérea, sonhadora, ela pairava no ar olhando para ele. Estava de costas para o palco. O tempo inteiro. Ela cantava todas as músicas, mesmo as instrumentais, mas ignorava os músicos. Eles eram parte de um espetáculo privado, uma trilha sonora de fundo para um abraço que ela procurava – e causava. Em dado momento, a coisa beirou o ridículo. Chegou ao cúmulo de dançarem de mãos dadas, como que numa valsa, em um baile de guitarras e xilofones. Aquilo irritou um bocado de gente. Deu pra perceber. O casal dançava de um lado para o outro, cercado de olhos e ouvidos atentos, numa comunhão tão íntima que tudo levava a crer que eram os outros os intrusos. Estavam atrapalhando uma das mais doces entregas, um bailar esquisito e desconcertado. Depois, ela (sempre ela!), passou a fingir que o ignorava – isso olhando para ele – só para ter certeza que ele ficaria perturbado com aquilo. Ele fingia ficar. Depois dos segundos de bobeira, os dois voltavam a se abraçar. O mundo acabava nos metros quadrados no entorno. Não era importante. A música funcionava somente como pano de fundo de um encontro há tanto esperado. Ou não: o amor é negócio tão imprevisível que talvez eles tenham se visto há vinte minutos. O fato é que aquilo continuou durante toda a apresentação. Contaram-se os minutos em que ela olhou para frente. Uns dez? Talvez menos. O show dela era outro. Ele, coitado, não fazia questão de estar ali. Já que estava – por causa dela, claro – tentava fazê-la sentir-se única. O rapaz era esforçado, reconhece-se. Abraçava, rodopiava, metia as mãos naqueles quadris finos, mexia os cabelos pretos ondulados, dizia coisas no ouvido... Tinha uma mania incomum de segurar as orelhas dela. O fato é que ele, ao contrário dela, não entendia ou conhecia quem tocava. Um minuto de observação e isso ficava mais do que claro. O modo como olhava para o palco era inseguro, aquela insegurança típica de quem está vendo algo novo. Mas ele gostava do que via. Gostava por que ela estava feliz. Mas ignorava a banda. Ponto. Isso não tem discussão. Ele poderia estar em qualquer lugar que a reação seria a mesma. O irônico é que era ele, que não conhecia aquele turbilhão de instrumentos marcianos, que estava voltado para o palco. O amor é injusto. Ela, certamente a culpada pela ida, trocava um show pelo outro. Ou ficava pela metade em cada um. A verdade é que parecia não se importar com o que “perdia”. O outro lado era mais significativo.