quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Suzana estava grávida de um fibroma

Esta história é baseada em fatos reais. Foi escrita em 2006.

Suzana estava grávida de um fibroma

Foi uma novela daquelas para escolher o nome do primeiro filho. “Eu quero ou Felipe Deividson da Silva ou Felipe Cristina da Silva”, dizia Suzana Cristina. Mas Felipe Cristina não pode, Suzana. Não é sobrenome... “Não me interessa. Fica muito mais bonito que só Felipe”. Depois descobrimos que o Deividson vinha da marca de motocicletas mais famosa do mundo, a Harley-Davidson. Em todo esse impasse, o menino acabou nascendo Felipe da Silva mesmo, vitória da resistência em massa das pessoas. Ele já veio ao mundo sem saber quem era o pai.

Suzana fazia a limpeza, cozinhava e costumava varrer a casa como ninguém, nunca deixava uma sujeirinha pelos cantos. É uma mulher grande, alta, gordinha, com voz acelerada, gestos acelerados e riso descontrolado. Quebrava xícaras com uma facilidade incrível. Quando Felipe nasceu, ela se acalmou mais, passou a dar assistência a seu filho. Era uma festa todas as vezes que o pequeno Deividson aparecia vestido com as cores do Santa Cruz. Boné, sapatinhos e roupas de Ricardo Rocha. “Ele já foi da seleção, era muito craque”, justificava a mãe.

Quatro anos depois, Suzana teve uma súbita crise durante a preparação de um almoço e colocou-se a vomitar. “Eu tou muito mal, sabe, mas acho que foi o tempero da comida ou alguma coisa estragada que eu comi ontem”. Uma ida ao banheiro e tudo voltava ao normal, afinal, Suzana era uma mulher forte. Era bastante forte mesmo.

Até que um dia o “forte” virou gorda. Que barriga enorme. Seria gravidez denovo? “Não tou grávida não, é um fibroma que me apareceu. Por isso minha barriga ta inchada desse jeito”, dizia Suzana. Ela estava grávida de um fibroma, um tumor benigno que se desenvolve a partir do crescimento anormal das fibras musculares que constituem a parede do útero.

O filho de Suzana era o próprio útero dela. E assim os dias foram passando e o fibroma aumentava mais e mais. As pessoas andavam muito desconfiadas, mas Suzana sabia desmentir como ninguém. “Já fui no médico, dotôra. Eles me avaliaram toda. O fibroma ta crescendo, mas não corro risco de morrer não”. A mãe dela, dona Helena, confirmava a versão de que seria vovó de fibras musculares. “Se ela tivesse grávida eu já teria notado. Eu tenho olho clínico, notei com duas semanas quando ela engravidou de meu netinho. Ninguém me engana não”.

Enganou. Depois de oito meses de gestação do fibroma, um dia Suzana sumiu, não foi trabalhar. “Parece que ela foi fazer a operação do fibroma, que o médico tinha aconselhado”. Dona Helena tampouco sabia do caso. Meudeusdocéu, cadê minha filha. Eis que uma cruzada por todos os hospitais da cidade se iniciou. Onde diabos estaria Suzana. “Essa cirurgia é demorada mesmo, o fibroma é uma coisa complicada”, contou uma amiga dela.

Algumas horas depois Suzana ligou. “Estou aqui no Albert Sabin, acabaram de operar meu fibroma e eu estou bem. Em um dia ou dois eu chego em casa”. Ah, que bom que foi tudo bem. A mãe respirava aliviada por ter encontrado a filha. Alguém então notou que o Albert Sabin era uma maternidade.

Dona Helena chegou esbaforida à maternidade. Em um leito, Suzana estava branca como a neve e com soro no braço. “Meu deus, minha filha. Você não ta com fibroma nada, você tava me enganando!”. Indignou-se. Ao pé da cama, negligenciado pela mãe, estava Fibroma Cristina da Silva. Ou Fibroma Deividson da Silva, uma menininha enrolada em um cobertor.

Ao invés de estar nos braços da mãe, a criança estava no pé da cama. Suzana não esboçava maior reação. Ela simplesmente não queria aquele tecido muscular com ela. O bebezinho, para ela, era um fibroma. Segundo a enfermeira, nem ao ter contato com a menina Suzana esboçou uma reação mais emocional.

“Ela queria dar a menina logo depois que pariu. Ela chegou aqui desesperada e quando a menina nasceu ela disse que eu podia entregar para qualquer pessoa que eu encontrasse”, revelou a enfermeira. Dona Helena continuava indignada. Ela xingava a filha no meio do hospital. “Você não é mais minha filha! Desnaturada! Como você faz isso com minha neta, hein?! Você não pode dar sua filha!”. A maternidade, atônita, observava aquilo.

Ao ver que Suzana continuava imóvel na cama, sem a menor demonstração de sentimento para com o bebê, Dona Helena resolveu levar a menina para casa. Ela não tinha nem roupas, afinal, fibromas não usam roupas, não iam meias rosas e nem fraldas. Algumas doações de outros pacientes da maternidade resolveram o problema em primeira ordem.

Ao sair da maternidade, Suzana voltou a trabalhar. Disse que a filha estava com a irmã, Rosineide. Ela seria a mãe da menina, agora com nome, Júlia. Sem Deividson e sem Cristina. Dona Helena, feliz com a netinha, nunca mais voltou a falar com a filha. Suzana, que também não chegou a conhecer o pai da menina, ainda continua tratando Júlia como se não fosse dela.

“Eu não estava grávida. Estava com um fibroma. Essa menina é filha da minha irmã, ela achou no hospital”.